Pai mata família e depois se mata por não conseguir lidar com a falência
Nascido no Mato Grosso e morador da Barra da Tijuca, bairro emergente do Rio, o engenheiro Waldo de Carvalho Wunder, 57 anos, conseguiu dar à família o padrão de vida que sempre sonhou para si. Morava com a mulher, Paulette Kahane, 48, e as duas filhas, Carolina, 22, e Mariana, 14, em uma cobertura de 500 m2, com quatro suítes, e formava com elas a típica imagem da família bem-sucedida. Carolina fazia odontologia em uma faculdade particular, Mariana estudava em uma escola da zona sul frequentada por herdeiros da elite carioca, e o guarda-roupa das três era repleto de grifes caras. Ninguém diria que os porta-retratos espalhados pela casa, com fotos cintilantes dos quatro, escondiam a ruína financeira do engenheiro. Quebrado desde o início dos anos 1990, quando assistiu à falência de sua indústria de tintas, Wunder ainda tentou enveredar por outros negócios, mas não obteve êxito. Para piorar, foi vítima de um sequestro que liquidou com o resto de suas finanças e ainda o deixou definitivamente endividado. O constrangimento de revelar a real situação financeira às suas princesas, como ele chamava a mulher e as meninas, o fez prolongar a farsa até o limite do desespero. Em maio de 2003, frustrado e com medo de decepcioná-las, ele preferiu matar as três de uma vez só, perpetrando uma espécie de massacre doméstico. Por fim, deu cabo da própria vida.
Na noite da tragédia, uma terça-feira, Wunder foi buscar a filha Mariana, a quem chamava carinhosamente de “Maricota”, na casa de uma amiga. O que se passou na mente do engenheiro depois disso é um mistério insondável. O exame pericial revelou que ele executou a família de madrugada. Matou a mulher e as filhas com 18 disparos, enquanto elas dormiam, acertando-as na maior parte das vezes no rosto e no pescoço. Paulette, a primeira vítima, foi alvejada cinco vezes. Mariana, a segunda, seis, e Carolina, sete. Na sequência, Wunder seguiu para a suíte transformada em escritório e desferiu um tiro de escopeta na própria cabeça, provocando um estrago brutal. Ao tombar destroçado no chão do banheiro, uma parte de seu crânio foi atirada a 4 metros, ricocheteou na porta da estante do escritório e caiu no tapete. Ali, em cima da escrivaninha, havia um bilhete de Mariana escrito no último Dia dos Pais. Um dos olhos do engenheiro foi parar na borda do vaso sanitário.
Assustada com o barulho dos tiros, a vizinhança chamou a polícia. O síndico e boa parte dos moradores do prédio desceram até a portaria, para especular sobre o acontecido. Sabiam que era grave, mas não esperavam algo daquela dimensão. Para chegar à cena do crime, os policiais precisaram arrombar a porta entre a sala e o corredor, que eles tinham encontrado trancada. O ambiente estava tomado por um odor enjoativo, adocicado, por causa da grande quantidade de sangue espalhada em praticamente todos os cômodos. Paulette e as meninas jaziam deitadas em suas camas. Mariana estava de lado, com a mão no rosto desfigurado. De acordo com os peritos, Wunder teria caminhado cerca de 10 metros até concluir a chacina. “O quadro que encontramos era muito impressionante, pavoroso”, disse, na época, o delegado Carlos César de Mattos.
CAFÉ FRACO
O começo da ruína financeira de Wunder aconteceu bem antes do extermínio familiar, na década dos 1990, quando o empresário não pôde conter a derrocada de sua fábrica de tintas. No meio do processo, em 1995, o engenheiro sofreu um sequestro. Nos 15 dias em que ficou no cativeiro, passou por violência física e psicológica, até que pagou US$ 200 mil de resgate. Como os bandidos queriam mais, o libertaram com a condição de ele levantar outro montante. Sua vida só foi preservada porque a família concordou em negociar sem a interferência da polícia. Para se proteger das pressões dos bandidos sem apelar para segurança oficial, ele passou a comprar armas e terminou por acumular um pequeno arsenal que, mais tarde, ao cometer o assassinato em massa, acabou tendo uma apavorante serventia.
Entre o sequestro e o momento do desatino, Wunder chegou a vislumbrar uma luz no fim do túnel. Dois anos antes do desfecho tenebroso, ele havia vendido por US$ 1 milhão o apartamento de frente para o mar onde morava, também na Barra, para investir US$ 600 mil em uma franquia de uma grife paulistana de roupas femininas. Na ocasião, mudou-se com a família para o apartamento onde ocorreu a tragédia, que ele alugava por R$ 3 mil por mês. O negócio da grife não vingou. Menos de um ano depois de abrir a loja, e seis meses antes de cometer o crime, precisou fechá-la. Àquela altura, as dívidas acumuladas desde a falência da fábrica esbarravam em R$ 1 milhão. Ele e seu ex-sócio ainda respondiam a processos de cobrança que só agravavam a situação. Nos últimos tempos, Wunder andou anunciando que negociava a abertura de um café no Shopping Fashion Mall, em São Conrado, tido como o mais sofisticado da cidade. O shopping, contudo, negou.
Até praticar o massacre, Wunder era tido como um sujeito educado, afável e generoso. Paulette costumava afirmar que, antes de enfrentar a falência da fábrica e o sequestro, seu marido era mais alegre e extrovertido. Dizia que, desde então, nunca mais fora o mesmo. Mas jamais suspeitou que ele pudesse cometer uma atrocidade daquelas. Os parentes próximos não conseguiam perdoá-lo. “A gente hoje nutre ódio ao Waldo pelo que ele fez. Mas esperamos que Deus nos livre desse sentimento”, afirmou o irmão de Paulette, Roberto Kahane. O que mais intriga no crime é a motivação. Wunder não foi vítima de traição, conspiração política ou golpe financeiro. O problema era dele com ele mesmo. Sua fixação por status o fez matar a família para preservá-la do desgosto de ter de viver sem o apelo das aparências. Preso a uma escala de valores enlouquecida, ele com certeza achou que estava praticando um ato de amor.