Pressão, intriga e constrangimento dominam STJ na reta final da escolha de novos ministros
Os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) se reúnem nesta terça-feira (15) para a votação secreta que definirá as duas listas tríplices com os candidatos às vagas em aberto na Corte em clima de tensão e constrangimento.
A reta final da acirrada campanha pelas duas vagas de ministro da Corte foi marcada por muita pressão, tensão e constrangimento entre os grupos que trabalham por seus candidatos – do Palácio do Planalto, onde o próprio presidente Lula comanda uma ofensiva para garantir que seu candidato entre na lista, aos ministros da casa que tentam impedir a escolha de um desafeto, passando por um duelo particular entre ministros do STF, cada um querendo emplacar seu apadrinhado.
Ao todo, 16 desembargadores e 40 integrantes do Ministério Público concorrem a duas vagas, uma reservada a representantes da Justiça Federal e outra a integrantes do MP. Na prática, o STJ faz uma espécie de “processo seletivo” interno pelo qual os ministros votam para compor suas listas tríplices. É a partir delas que Lula escolherá os novos ministros.
O presidente quer garantir que seu favorito, o desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), esteja entre os três mais votados. Para isso, já conversou pessoalmente com alguns ministros e enviou a outros emissários com um recado bem direto: se Favreto for barrado pelo grupo dominante na Corte, liderado pelos ministros Luis Felipe Salomão e Mauro Campbell, que reúne cerca de 15 magistrados, vai dar o troco não indicando o candidato apoiado por eles na disputa do Ministério Público, Sammy Barbosa Lopes – mesmo que esteja na lista tríplice.
Tudo porque o presidente detectou a movimentação desse grupo em favor de outro candidato – Ney Bello, desembargador maranhense do TRF-1, sediado em Brasília, que é também o preferido dos ministros do Supremo Gilmar Mendes e Flávio Dino.
Correndo por fora como cabo eleitoral, outro ministro do Supremo, Kassio Nunes Marques, tenta angariar apoio para um conterrâneo do Piauí, o desembargador Carlos Pires Brandão, que também atua no TRF-1. “Kassio pediu para vários ministros voto no Brandão”, relata um magistrado.
Essa movimentação mais pesada do presidente da República e de ministros do STF sobre a escolha de um tribunal importante como o STJ costuma despertar irritação com o que frequentemente é entendido como tentativa de interferência.
Mas embora os três tenham demonstrado ter padrinhos fortes, um deles desperta grande rejeição em uma ala do STJ – a ponto de alguns ministros estarem percorrendo os gabinetes em uma campanha contra sua indicação.
É Ney Bello, que angariou a antipatia na Corte depois de ter sido preterido no final de 2022 pelo então presidente Jair Bolsonaro em uma disputa semelhante à atual, por duas vagas.
O então presidente escolheu Messod Azulay e Paulo Sérgio Domingues. Mesmo assim, Ney Bello atuou no Senado para tentar adiar a realização da sabatina e até mesmo convencer os senadores a rejeitarem os dois escolhidos por Bolsonaro, na esperança de que, depois da transição de governo, Lula pudesse revogar a escolha de Bolsonaro e colocá-lo no lugar de um dos dois já escolhidos.
Bello costuma dizer que não teve responsabilidade sobre a demora, mas ministros do STJ viram as digitais dele no episódio, que passou a ser considerado “uma afronta” à Corte. Por causa disso, integrantes do grupo dos ministros que foram alvo da articulação de Bello procuraram vários colegas nos últimos dias, dizendo que, se o desafeto fosse para a lista tríplice, eles se sentiriam pessoalmente atingidos. Aparentemente, fez efeito.
“Ney Bello derreteu”, comenta um ministro atento às articulações dos colegas nos últimos dias.
A intensa movimentação de bastidores já seria suficiente para causar bastante tensão entre os ministros, cada um tentando medir o impacto de seus votos para não se queimar com nenhum grupo, ou para garantir a vitória de seu candidato.
Só que ainda tem mais um complicador. Pela primeira vez, os votos serão contabilizados de forma eletrônica e não pela contagem individualizada de cada cédula. Pelo sistema antigo, cada cédula era lida para o plenário, de modo que era possível deduzir quem votou em quem pela ordem dos votos e pela combinação de cada cédula.
Agora, o sistema vai informar apenas o resultado final, com o total da contagem para cada candidato. Isso reduz o poder de caciques do próprio STJ de impor suas escolhas aos colegas, como costuma acontecer nessas votações importantes, em que magistrados chegavam a tirar foto da cédula para comprovar lealdade aos acordos feitos com os colegas.
Surpresas e temor de uma lista só com homens
Com tanta rejeição e puxadas de tapete entre os diferentes grupos, não são poucas as chances de surgirem surpresas após a votação.
Uma possibilidade é que uma ala de ministros nordestinos do STJ, capitaneada por Gurgel de Faria e Ribeiro Dantas, consiga votos suficientes pelo desembargador Rogério Fialho, ex-presidente do TRF-5, por quem eles trabalham, e que enfrenta menos rejeição que Ney Bello e pode surpreender na apuração. Em reunião realizada na noite desta segunda-feira, o grupo de Salomão decidiu abraçar a candidatura de Fialho – e liberar os colegas a votarem em quem quiser nas outras duas vagas.
Outra possível surpresa pode ser a escolha de uma mulher, em razão da preocupação com a imagem da Corte e o predomínio de candidatos homens. Se o argumento prevalecer, ganha força a ex-presidente do TRF-3 Marisa Ferreira dos Santos, que conta com o apoio da bancada de São Paulo e de ministros que não operam na órbita de Salomão.
“Será um desastre de imagem para o STJ ter listas só com homens brancos”, diz um ministro ouvido reservadamente pela equipe da coluna.
Na semana passada, um grupo de nove ministros se reuniu reservadamente no STJ para fechar o apoio à Marisa. “Os paulistas estão em campo. Ela começa num patamar de nove votos. Se cada um desses ministros conseguir mais um votinho, ela garante 18”, calcula outro ministro, em referência aos 17 votos necessários para figurar na lista.
A preocupação com a presença de mulheres também pode beneficiar as desembargadoras Mônica Sifuentes, do TRF-6, e Daniele Maranhão, do TRF-1 — e também candidatas à vaga do Ministério Público, como a ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge.
A disputa do MP, aliás, é considerada menos tumultuada que a da Justiça Federal, ainda que seja mais congestionada, com mais que o dobro de postulantes.
Número 2 da cúpula da Procuradoria-Geral da República (PGR), o vice-procurador-geral da República, Hindemburgo Chateaubriand, aparece bem posicionado na corrida, segundo integrantes do STJ ouvidos pelo blog em caráter reservado.
Já o ministro Mauro Campbell, que é do Amazonas, trabalha firme por um procurador de Justiça do Acre, Sammy Barbosa Lopes. Campbell, que é do mesmo grupo de Salomão no STJ, apoia Ney Bello na disputa da Justiça Federal. (O Globo)